Setembro 06 2012

Boletim Cultural Catina Mundi 

 

 

 

  Boletim de letras, ideias, diálogos e crítica

  Casa México- Aljuriça (Portugal)

   Casa de Mexico, casa de la cultura, donde los libros son la verdadera Universidad.

  (O primeiro Boletim electrónico publicado na Freguesia de Cadima para o Mundo)

 

 

 

Teixeira de Pascoaes

Teixeira de Pascoaes produziu a partir da experiência existencial da saudade - presente de forma vaga e imprecisa nos seus primeiros textos em verso - uma reflexão, a que subjaz o princípio fundamental de que o ser manifesta uma condição saudosa. Do Ser ao ser, processa-se uma verdadeira queda ontológica, uma cisão existencial, manifestando o mundo, na sua condição decaída, um "pathos universal". Da condição saudosa de ser resulta pois uma condição dolorosa do mesmo ser. Dor de privação, dor de saudade, consciência da finitude, de imperfeição, de insuficiência ôntica.
A experiência da dor pelo homem saudoso, é simultaneamente individual e universal. Por ela o homem–poeta entende o mundo como "uma eterna recordação", percebendo a realidade como evocadora de uma outra realidade mais real que aquela.

A condição dramática da existência manifesta-se assim numa permanente tensão entre Ser e existir. O homem existe num primeiro nível de dignidade ontológica, partilhando pelo corpo o mundo da matéria, e vive pelo espírito. A vida é pois uma eterna aspiração à ultrapassagem da realidade material. A alienação é a situação que resulta da impossibilidade de o homem ser, verdadeiramente. Dividido entre assumir-se como puro espírito ou pura matéria, o homem não é nem pode ser verdadeiramente, oscilando eternamente entre uma e outra condição.

A saudade pascoaesiana transcende assim o mero sentimento individual, para assumir uma dimensão ontológica e metafísica. Na mesma medida em que todo o Universo "é a expressão cósmica da saudade" enquanto " infinita lembrança da esperança", a saudade psicológica, individual, assume, enquanto o homem partilha a condição do mundo, uma dimensão metafísica. Enquanto o homem como ser finito e imperfeito aspira à perfeição de ser, a saudade assume uma dimensão ontológica.

A saudade encarada do ponto de vista existencial leva o autor a conceber a natureza como sagrada, uma vez que a saudade do mundo é também saudade de Deus, de um Deus presente nas próprias coisas. É a divindade que se apropria de si mesma na evolução da natureza, pelo que Pascoaes postula a sacralização da mesma natureza. Deus existe antes e independentemente do homem; no entanto a vida, confere-lha o próprio homem.

O pensamento de Teixeira de Pascoaes manifesta assim, uma particular forma de religiosidade, que provém desde logo desta presença de Deus na natureza e da sua evidenciação nela. O autor concebe uma ordem na natureza, um princípio teleológico alheio ao acaso que deixa supor uma inteligência ordenadora que presida às transformações da realidade. Todo o esforço humano será para penetrar o Mistério da vida e do cosmos.

Deveremos referir ainda, que Pascoaes manifesta uma evidente preocupação com a natureza das relações do homem com a paisagem que o envolve, podendo mesmo considerar-se que há profundas preocupações ecológicas na sua obra. A sacralização da natureza de que falamos, determina uma relação de profundo respeito do homem pela paisagem e o cuidado com a sua preservação. Perpassa na sua obra um desencanto com o progresso que deveremos no entanto contextualizar. Trata-se da recusa de um progresso descaracterizador da natureza.

Sensivelmente de 1910 a 1919, Teixeira de Pascoaes teoriza o saudosismo, pensamento que desenvolve no âmbito do movimento da "Renascença portuguesa", de cujo órgão oficial, "A Águia," foi director. O saudosismo acaba por designar o movimento de cunho lusitanista estruturado em torno à questão da saudade portuguesa .Particularmente influenciado pelo momento político que se vivia em Portugal com o advento da República, e condicionado ainda, pela persistente crise que afectava a sociedade e a cultura nacionais, o pensador de Amarante desenvolve uma particular atenção às características particulares diferenciadoras do "génio lusitano", considerando a necessidade de preservar a identidade nacional, pela promoção do encontro de Portugal com a suas próprias raízes. O génio português encontra a sua síntese na saudade lusíada, que, não obstante ser um sentimento cósmico encontra num povo caracteristicamente saudosista a sua expressão mais apurada. Apenas a palavra portuguesa,"saudade", permite revelar algo da sua natureza essencialmente misteriosa, pelo que o autor parece esquecer o conceito universalista de saudade, para evidenciar o seu carácter intraduzível, e conceber mesmo uma teoria ortográfica cujo axioma fundamental determinava a necessidade de fazer corresponder a ortografia das palavras ao seu perfil psicológico. Para o autor "as palavras são seres" e nessa circunstância possuem um perfil físico e outro psicológico, que deverão estar em harmonia ao apresentar-se na sua forma gráfica.

O saudosismo manifesta ainda um caracter messiânico e profético aceitando Pascoaes o advento de uma nova "era lusíada".

A tese da exclusividade lusa da saudade provocou as mais desencontradas reacções, sendo de realçar o enfrentamento que teve lugar entre o núcleo Saudosista e o Seareiro, provocando tensões evidentes entre Pascoaes ele próprio, e António Sérgio, reflectidas na importante polémica que ambos mantiveram. Não deveremos esquecer, porém, que a saudade portuguesa manifesta uma ligação clara à saudade universal. Se existe uma saudade portuguesa, é porque existe igualmente a saudade experienciada por outros povos. Refira-se no entanto, que o autor não foi suficientemente explícito nesta questão, particularmente durante o período em que se envolveu no movimento da "Renascença Portuguesa".

De destacar ainda que a ontologia monista e panteísta perfilhada por Teixeira de Pascoaes, concebendo que "tudo está em tudo", e que a inteligibilidade dos seres particulares se estrutura na referência ao todo de que fazem parte, determina que também a saudade lusíada encontre a sua origem na saudade universal apenas podendo por ela ser compreendida.

A saudade é uma via para o conhecimento: por ela abre-se uma via para uma mundividencia, uma concepção geral da existência. O "pensamento poético" de Teixeira de Pascoaes é a expressão da possibilidade de conhecimento que se abre pela via da saudade. O conhecimento poético é simultaneamente estético, metafísico e ontológico: estético porque o que lhe é próprio se conhece pelo sentimento, metafísico e ontológico porque o seu horizonte é o da verdade que manifesta um caracter transcendente.

BIBLIOGRAFIA

1-De Teixeira de Pascoaes

1895-Embryões (poesia)
1896-Belo (poesia)-1ª parte
1897-Belo-2ª parte
1898-À Minha Alma e Sempre (poesia)
1899-Profecia (poesia) - em colaboração com Afonso Lopes Vieira
1901-À Ventura (poesia)
1903-Jesús e Pan (poesia)
1904-Para a Luz (poesia)
1906-Vida Etérea (poesia)
1907-As Sombras (poesia)
1909-Senhora da Noite (poesia)
1911-Marânus (poesia)
1912-Regresso ao Paraíso (poesia). Elegias (poesia; O Espírito Lusitano e o Saudosismo (conferência)
1913-O Doido e a Morte (poesia); O Génio português na sua expressão filosófica poética e religiosa (Conferência)
1914-Verbo Escuro (Aforismos); A Era Lusíada (conferência)
1915-A Arte de Ser Português (prosa didáctica)
1916-A Beira Num Relâmpago (prosa)
1919-Os Poetas Lusíadas (conjunto de conferências proferidas na Catalunha)
1921-O Bailado (prosa filosófica) e Cantos Indecisos (poesia)
1922-Conferência e A Caridade (conferência)
1923-A Nossa Fome (prosa filosófica)
1924-A Elegia do Amor (verso) e O pobre Tolo
1925-D. Carlos (poesia); Cânticos (poesia); Sonetos
1926-Jesús Cristo em Lisboa (peça de teatro escrita em colaboração com Raul Brandão)
1928-Livro de Memórias (prosa autobiográfica)
1934-S.Paulo (biografia romanceada)
1936-S. Jerónimo e a Trovoada (biografia romanceada)
1937-O Homem Universal (prosa filosófica)
1940-Napoleão (biografia romanceada)
1942-Camilo Castelo Branco O Penitente (biografia romanceada); Duplo Passeio (prosa)
1945-Santo Agostinho (biografia romanceada)
1949-Versos Pobres
1950-Duas conferências em defesa da paz

A presente bibliografia não pretende esgotar a vastíssima produção de Teixeira de Pascoaes, referindo-se apenas alguns dos seus mais importantes textos
"Sobre Teixeira de Pascoaes", Carvalho, Joaquim de, Reflexões sobre Teixeira de Pascoaes, in Obra Completa, vol.V, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa,1987
Coelho, Jacinto Prado, Introdução às Obras Completas de Teixeira de Pascoaes, vol.1,Bertrand, Lisboa,s/d.p.7
Coutinho, Jorge, O Pensamento de Teixeira de Pascoaes-Um Estudo Hermenêutico e Crítico, Publicações da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa,Braga,1995
Craveiro,Lúcio, A Filosofia em Teixeira de Pascoaes,«Revista Portuguesa de Filosofia»,34, (1979 p.51)
Gama, José, A Polémica Saudosista: Teixeira de Pascoaes e António Sérgio,«Brotéria»,114,(1982),p.185
Garcia, Mário, Teixeira de Pascoaes. Contribuição para o estudo da sua personalidade e para a leitura crítica da sua obra, Publicações da Faculdade de Filosofia, Braga,1976
Lourenço, Eduardo, O Labirinto da Saudade - Psicanálise Mítica do Destino Português, Publicações Dom Quixote, Lisboa,1968
Margarido, Alfredo, Teixeira de Pascoaes - A Obra e O Homem, Arcádia, Lisboa,1961
Sardoeira,Ilídio, A Influência do Princípio da Incerteza no Pensamento de Teixeira de Pascoaes«Revista Portuguesa de Filosofia»,11,(1955),p.620
Vasconcellos, Maria da Glória Teixeira de, Olhando Para Trás Vejo Pascoaes, Assírio & Alvim, Lisboa,1991
Vasconcellos, Maria José Teixeira de, Na Sombra de Pascoaes,Vega, Lisboa,1993


 

Viagens, viajantes e navegadores

 

Cabrilho, João Rodrigues


O navegador e explorador português terá nascido entre 1496-1499. O seu nome era João Rodrigues. Cabrilho (Cabrillo), certamente uma alcunha, ajudava a distingui-lo dos seus homónimos coevos. A sua nacionalidade portuguesa não nos oferece dúvidas pois é o próprio cronista castelhano D. António de Herrera, que na sua Historia General de los hechos de los Castellanos en lás Islas y tierra firme del Mar Oceano, diz ter D. António de Mendonça aprestado os navios “São Salvador” e “Victoria” para prosseguirem na exploração costeira da Nova Espanha “y que nombrô por Capitan dellos a Juan Rodriguez Cabrillo Português, persona muy platica en las cosas de la mar”. Esta afirmação acerca das qualidades de João Rodrigues leva-nos a pensar que, muito provavelmente, este explorador terá participado em viagens a bordo de navios portugueses, antes de se colocar ao serviço de Castela. E que terá sido nesse período que adquiriu os conhecimentos e as perícias que o tornaram conhecido, especialmente como piloto. A primeira informação existente relativa a João Rodrigues data de 1510-1511, em Cuba, onde recebeu treino militar e posteriormente se distinguiu como soldado e navegador, na conquista da ilha. Acompanhou posteriormente Panfilo de Narvaez no México e foi enviado pelo governador de Cuba para ajudar Hernan Cortês na conquista da capital azteca de Tenochtitlan, em 1521. Esteve depois com Pedro de Alvarado e mais 300 europeus, na conquista dos territórios que compreendem hoje as Honduras, Guatemala e San Salvador, entre 1523 e 1535. Tinham instruções para atravessar o istmo de Tehuantepec e submeter com rigor as regiões de Soconusco e dos Quinches. Estes últimos eram os mais rebeldes e não permitiam a colonização pacífica espanhola da Guatemala. Foi um dos signatários do Testimonio del estado de despoblacion de Honduras. Em Julho de 1524 Pedro de Alvarado fundou a cidade de Santiago dos Cavaleiros de Guatemala, onde João Rodrigues se fixou com a sua mulher, D. Beatriz de Ortega. Os serviços prestados por João Rodrigues justificaram as mercês que Pedro de Alvarado lhe concedeu: a concessão dos pueblos de Tacuba, Jumaitepeque, Teota e Cotela, com todos os respectivos senhores, índios, bairros, estâncias, e as comendas, no termo da cidade de Santiago de Guatemala, de Xicalapa e Comitlan, a primeira das quais com o rendimento anual de 500 xiquipiles de cacau. Para além disso, foi nomeado almirante da armada de doze navios que tinha como objectivo alcançar a China e as Molucas. Esta armada saiu de Acajutla, em 1538, e escalou Colima para reabastecer de água e embarcar mais soldados. Como Alvarado pagou adiantadamente a soldados e marinheiros, aquando do recrutamento, muitos deles fugiram levando parte dos navios, quando estes se encontravam fundeados. João Rodrigues conseguiu salvar o navio que ele próprio financiou na construção. Em 27 de Junho de 1542 sai do porto de Natividad (Acapulco) a armada composta pelos navios “São Salvador” e “Vitória”, capitaneada por João Rodrigues. O objectivo era encontrar o lendário estreito de Anian que ligava o Pacífico ao Atlântico. A 3 de Setembro avistam a ponta sul da península da Califórnia. No dia 28 de Setembro a armada chega à baía de S. Diego. Explorada a região, prossegue e atinge a latitude dos 40º norte, junto ao cabo Mendocino. Em Outubro chegam a Santa Bárbara e são estabelecidos contactos com os índios Chumash. Foi reconhecida a actual ilha de Santa Catalina e passaram, sem entrar, na abertura da baía de São Francisco, tendo continuado a navegar para norte, até ao rio Russo. Aqui a armada foi obrigada a regressar devido ao rigor do Inverno. Navegaram para sul e invernaram na ilha da Possessão. No dia 3 de Janeiro de 1543 “faleceu desta presente vida João Rodrigues Cabrilho, capitão dos ditos navios, de uma queda dada na mesma ilha quando da estadia anterior nela, de que resultou partir um braço junto ao ombro”. A ilha foi baptizada com o nome de João Rodrigues pelo piloto-mor Bartolomeu Ferrelo, que lhe sucedeu no comando da armada. Este insistiu, após a morte de João Rodrigues, que não deixassem de descobrir em toda aquela costa o que lhes fosse possível. A armada chegaria a Natividad, depois de muito explorar e já sem mantimentos, no dia 14 de Abril de 1543.

 

António Gonçalves

 

 

Bibliografia
VISCONDE DE LAGOA, João Rodrigues Cabrilho – achegas para a sua biografia, pref. do Comodoro Sarmento Rodrigues, Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1958.





 

SOR JUANA INÉS DE LA CRUZ: FILÓSOFA HISPÂNICA
DO SÉCULO DE OURO

Aílton de Souza
Aluno da Universidade Mackenzie 





INTRODUÇÃO 

A revista Pandora se consolida como instrumento de justiça quando abre espaço para a publicação de algumas poucas páginas da vida daquela que, em seus dias, deu um salto intelectual, consolidando-se como uma das mentes mais aguçadas, portanto, não compreendida naqueles tempos. Pandora se solidifica como instrumento de direito quando nos permite ouvir o som da voz daquela que defendeu, a todo custo, a liberdade de expressão para todos os gêneros. A Filósofa ganha, nessa revista, asas para voar e voando mostrará que é digna do epíteto: Sor Juana Inés de La Cruz: Filósofa hispânica do século de Ouro. 


VIDA DE SOR JUANA

Juana Inés de Asbaje e Ramírez, filha de Isabel Ramírez de Santillana e de Pedro Manuel de Asbaje, nasceu em 12 de novembro de 1648/51 em San Miguel Nepantla, estado do México, próximo a Amecameca. 

Juana Inés de Absbaje se firmou como Filósofa pelo espírito questionador e inabalável que possuía, pois, vivendo em um momento histórico – a Nova Espanha do século XVII - em que a Igreja não somente era a detentora de todo saber teológico e filosófico, como também instruía, vigiava e denunciava a população, não se deixou abalar pelo patriarcado existente e buscou resposta às suas inquietações. 

Em seus dias, a Nova Espanha, preocupada com a pureza de sangue, proibia, por meio de leis, que a população espanhola se misturasse com classes ditas, então, inferiores. Os indígenas, mestiços e escravos vindos da África eram em número muito maior que os espanhóis e, não obstante às determinações de pureza de sangue, a população mestiça aumentava consideravelmente. Diante de tal problema, observa-se que as mulheres de raça branca, ainda que privilegiadas no momento de contrair núpcias, eram igualmente desvalorizadas quando pensavam em uma vida que não fosse dedicada ao casamento. Caso desejassem escapar do matrimonio deveriam, invariavelmente, dedicar-se a vida religiosa e, dessa forma, poderiam ter acesso a algum tipo de conhecimento. Sor Juana Inès de La Cruz não titubeou: fugiu do matrimônio, do “caminho tradicionalmente traçado para a mulher, e principalmente para a mulher do séc. XVII, que a conduziria do altar para o quarto do marido, e daí para a cozinha e a roupa suja das crianças” (BARRETO, 1989, p. 11) e percorreu o caminho assaz difícil: tornou-se religiosa (FRANCO 1994; ALONSO, 1976, p. 15). 

Ávida pelo conhecimento e influenciada pelo espírito independente de sua mãe aprendeu a ler e escrever aos três anos – “numa fase de apreensão do mundo em que as demais crianças ainda estão tentando apropriar-se do código oral, ela já deseja[va] decifrar o código escrito” (BARRETO, 1989, p. 11) –, aos seis se delicia com os livros do avô, aos oito escreveu sua primeira poesia, aos quatorze foi dama de honra de Leonor Carreto, esposa do vice rei Antonio Sebastián de Toledo. Nessa ocasião, foi submetida a um exame oral, surpreendendo a todos com sua habilidade intelectual. Ao completar 19 anos, ingressou no convento das Carmelitas descalças e, após três meses, mudou-se para o convento da Ordem de São Jerônimo, onde ficou até o último dia de sua vida. Ali, no convento de Santa Paula, em fevereiro de 1669, fez sua pública profissão de fé, tornando-se Sor Juana Inês de La Cruz. Com esse nome tornou-se a maior figura das letras hispano-americanas do século XVII por escrever poesias amorosas, comédias, peças de teatro e cartas. 

Sor Juana Inés de La Cruz, autodidata, penetrou a biblioteca, leu de tudo, estudou todos (não é exagero, nem força de expressão) os expoentes da filosofia, da teologia e da literatura. Analisando-os decifrou o mundo. “Mulher atraente, monja intelectual”, dona de um vasto conhecimento, produziu dezenas de textos de cunho sagrados e profanos. Entre esses muitos escritos, encontramos a Carta Atenagórica na qual Sor Juana Inés de La Cruz, em 1690, criticou um dos sermões do Padre Antonio Vieira – Sermão do Mandato. A opinião da Filósofa gerou uma grande polêmica envolvendo o Arcebispo do México – Francisco de Aguiar –, o bispo de Puebla – Manuel Fernandez de Santa Cruz – e clérigos da região. Tal polêmica fez emergir da mente brilhante da Filósofa hispânica do século de Ouro a carta Respuesta. Nessa, ela não somente nos fornece sua autobiografia, mas também demonstra-nos sua maturidade intelectual: 

“Su carta, de prosa suelta y espontánea, nos indica que poseía tal vez, más que refinada sensibilidad poética, más que rigurosa fantasía, vivísima inteligencia, clara y distinta facultad de razonar. (…) su carta revela un deseo tan íntimo de conocimientos, su mentalidad se muestra tan fuerte y tan segura, que no es de ningún modo aventurado suponer que de haberse dedicado a las ciencias su obra habría sido tal vez superior a sus versos” (SALAS, 1988). 

A vida de Sor Juana Inés de La Cruz torna-se nebulosa após esse episódio. A “décima musa”, contagiada pela epidemia que atingiu o convento de Santa Paula, rompido seu fio de prata, alcançou o oriente eterno no dia 17 de abril de 1695, imortalizando-se na história da trágica comédia humana.

OBRA

A produção de Sor Junana Inés de La Cruz, produzida no período catalogado pelos estudiosos do barroco, é vastíssima, quase que incontável: Loas; Autos; Villancicos; Teatros religiosos; Teatros Profanos; Prosa e Poesias Líricas:Romances, Endechas, Redondilhas, Décimas, Glosas, Sonetos, Liras, Ovillejos.

A estudiosa Profª. Drª. Linda Egan sobre a importância das obras da Pensadora afirma: 

Sor Juana (…) merece su nicho especial en bibliotecas públicas y particulares. Varios logros explican la unicidad de esta colección de estudios sobre Sor Juana Inés de la Cruz y su obra: su enfoque crítico es de coherencia sugerente; abarca diversos valores interdisciplinarios; su documentación ostenta un rigor inusitado; establece un número notable de precedentes; sus discursos son de una legibilidad tan grata como consistente, y, también importante, ésta es una edición de particular inteligencia, por su precisión, elegancia e, inclusive, su humor sutil (EGAN, p. 118). 

Quanto à complexidade que envolve a compreensão da extensa produção literária da Filósofa a pesquisadora Profª. Drª. Georgina Sabat de Rivers dá-nos um alerta: 

“Más que de su poesía dramática, la fama de la ‘Musa Décima’ mejicana ha dependido siempre de sus versos de tono más íntimo, sobre todo de los amorosos. Pero no es fácil presentar al lector moderno el conjunto de la poesía lirica de Sor Juana: es una mezcla de poemas de alta expresión personal con otros de encargo, una mezcla de saludos amistosos con ejercicios de composición formal. Los temas y las métricas se combinan de muchas maneras diferentes;” (ALONSO, 1976, p. 23). 


BREVE COMENTÁRIO DE UMA REDONDILHA: “HOMBRES NECIOS QUE ACUSÁIS”

Sor Juana Inés de La Cruz na poesia “Hombres necios que acusais” demonstra que estava antenada ao mundo de sua época, dá provas que havia decifrado-o. Por meio de seis perguntas, a exemplo da dialética socrática, ela faz emergir a ignorância daqueles que se reconheciam sábios, que arrogavam para si o direito exclusivo da reflexão. Ela inicia o primeiro quarteto qualificando o substantivo “hombres” com o adjetivo “necios”, algo inesperado para uma cultura machista que, a mão de ferro, detinha, exclusivamente, para si o direito de saber. Ela, sem titubear, chama-os de tolos, afirma que há neles falta de sabedoria, para ela está muito claro (conceito cartesiano) que são incultos: “Hombres necios (…)”.

Nos dois primeiros quartetos, ela não somente qualifica-os como também lhes mostra a razão pela qual merecem ser assim chamados. São parvos, porque acusam as mulheres sem razão, sem perceberem que são eles que fazem com que elas hajam da forma como estão agindo. Ela os inquiriu, exigiu resposta, convocou-os a reflexão: 

(…) que acusáis
a la mujer sin razón, 
sin ver que sois la ocasión
de lo mismo que culpáis: 
si con ansia sin igual
solicitáis su desdén, 
¿por qué queréis que obren bien
si las incitáis al mal? 

Insisto na força semântica e filosófica de três expressões: “sin razón”; “sin ver”; “¿por qué queréis que obren bien / si las incitáis al mal?”. Na primeira, ela afirma não ter motivo forense para a formulação da denúncia, na segunda, diz que eles são cegos, e o faz em uma época em que o pensamento cartesiano está em efervescência, quando se busca a clarividência. Aqueles que governavam o mundo, o faziam as escuras, conduziam-no ao abismo, defraudavam, cometiam injustiça. Na terceira, quer saber o porquê que as mulheres deveriam agir contra o fluxo das circunstâncias históricas. 

Os insensatos pedem, concomitantemente, às mulheres que lhes dêem castidade e amor. Combatem sua castidade, vence-a pela força, alcançam seus objetivos e as acusam de levianas. É essa dualidade que marca todo o poema. Destaco três quartetos: 

Combatís su resistencia
y luego, con gravedad, 
decís que liviandad
lo que hizo la diligencia. 

Siempre tan necios andáis
Que, con desigual nivel, 
A una culpáis por cruel
y a otra por fácil culpáis. 

¿Pues cómo ha de estar templada
la que vuestro amor pretende, 
si la que es ingrata, ofende, 
y la que es fácil, enfada? 

Os homens são loucos, têm medo de suas lambanças, não compreendem suas criações. Nesse poema, bem antes de Feuerbach, Sor Juana Inés de La Cruz afirma que o mundo é produzido pelos próprios homens, e eles não têm consciência disso. Os sujeitos não se reconhecem nos objetos, por si mesmos produzidos. Valendo-se da razão e do sentimento, voltaram-se contra sua condição precária, criaram outra realidade, norteada pela perfeição. Os homens encontraram uma forma de se afastarem de sua situação pérfida. A Filósofa hispânica do século de Ouro, por meio da conscientização, busca a superação: 

Parecer quiere el denuedo
de vuestro parecer loco, 
al niño que pone el coco
y luego le tiene miedo. 

¿Qué humor puede ser más raro
que el que, falto de consejo, 
él mismo empaña el espejo, 
y siente que no esté claro? 

publicado por luiscatina às 12:39

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