Novembro 27 2013

BOLETÍM CULTURAL CATINA MUNDI

 

LA FINALIDAD DE ESTE BOLETÍN, BIEN DEFINIDA EN SU PROPIO TITULO ,

OBEDECE MÁS A UN SENTIMIENTO DE PATRIOTISMO CULTURAL QUE DE INTERÉS MATERIAL.

 

  Boletim de letras, ideias, diálogos e crítica

  Casa México-- Aljuriça  (Portugal)

   Casa de Mexico,  casa de la cultura, donde los libros son la verdadera Universidad.

  (O primeiro Boletim electrónico publicado na Freguesia de Cadima para o Mundo)

 

       

…Para las niñas y  niños de Portugal, México, Costa Rica,  Hispanoamérica e America Portugueza es esta publicación mensual…

                         

PUBLICAÇÃO  MENSAL, em  PORTUGUÊS e CASTELHANO,  QUE TEM  COMO  OBJECTIVO A PUBLICAÇÃO DE TRADUÇÕES DE TEXTOS DE AUTORES  PORTUGUESES, CASTELHANOS E LATINO-AMERICANOS, RESENHAS DE PUBLICAÇÕES RECENTES  E PASSADAS E NOTÍCIAS SOBRE EVENTOS CULTURAIS D’AQUÉM E D’ALÉM MAR.  (GANDRASMEXICOCOSTARICA.BLOGS.SAPO.PT)

Presentación

Boletín de periocidad mensual  aparece en septiembre de 2009  como fruto del amor por las letras luso-mexicanas. El objectivo essencial  de Casa  México  es coadyuvar  en la promoción y en la difusión de las literaturas clásica y contemporânea.

 

 

Catina Mundi recorda Matilde Rosa Araújo, a escritora que revestiu as páginas dos seus livros com perfume de rosas silvestres para as crianças dos quatro cantos do mundo.(1921-2010 )

Nunca e tarde para prestar homenagem  a quatro ilustres  e talentosas figuras do nosso Pais  que deixaram marcas no Mexico.  São elas: Joao RodriguesCabrilho ou Juan Rodriguez  Cabrillo, Beatriz Costa, Fidelino de Souza Figueiredo e Joaquim de Carvalho Montezuma.

 

 

D. CARLOS I

“O Martirizado” Rei de Portugal: 1863 - 1908

 QUANDO TUDO ACONTECEU...


1863: Nasce em Lisboa a 28 de Setembro, filho primogénito de D. Luís I e D. Maria Pia, que o baptizaram com o nome de Carlos Fernando Luís Maria Vítor Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis José Simão de Bragança Sabóia Bourbon Saxe-Coburgo Gota. É o rei D. Carlos I. – 1878:Acompanha a mãe a Itália para assistir ao funeral de Vítor Manuel II. – 1886: Casa com Maria Amélia de Orleães, princesa de França. – 1888: Publica A Defesa do Porto de Lisboa e a Nossa Marinha de Guerra. – 1889: Sobe ao trono, por morte do pai, a 19 de Outubro. – 1890: Perante o ultimato inglês devolve as suas condecorações inglesas. – 1892: Visita oficialmente a Espanha. – 1895: Participa pessoalmente na homenagem a João de Deus. – 1901: Toma parte nos funerais da rainha Vitória de Inglaterra. – 1904: Inaugura o caminho de ferro de Santarém a Vendas Novas. Visita oficialmente vários países europeus. – 1905: É recebido com especial solenidade em França. – 1906: Permite e apoia a ditadura de João Franco que dissolverá o Parlamento em Abril de 1907. – 1907: Recebe um prémio de Oceanografia em Itália. – 1908: Morre, assassinado, em Lisboa, no dia 1 de Fevereiro. Jaz em S. Vicente de Fora.

O CAÇADOR

E assim, desta forma marcada de tragédia, termina o reinado daquele que ficará para a história com os cognomes de «O Martirizado», «O Diplomata», ou «O Caçador». Este último devido à sua grande paixão pela caça.

A este propósito, uns anos antes, mais concretamente em 1890, o poeta Guerra Junqueiro satirizara as práticas cinegéticas do soberano através dos versos «O Caçador Simão», onde previa que o caçador acabaria por ser caçado, numa clara alusão à possibilidade de a Monarquia findar pela morte violenta do rei.

Simão é o último dos nomes próprios do rei D. Carlos. Agora, o penúltimo rei da monarquia que dominava Portugal de aquém e de além-mar, jazia sem vida, também ele abatido como qualquer animal de caça, diversão a que se dedica com entusiasmo desmedido.

Na verdade, em matéria de caçadas, D. Carlos não deixa margem para dúvidas. Quer pelo o seu apego, quer pela sua pontaria estava entre os melhores. Só na última surtida, três dias antes da sua morte, cinco raposas, sete perdizes, um tordo e noventa coelhos provaram o sabor das suas balas e a certeza da sua mira. Em Vila Viçosa existe um alvo onde o rei acertou, a uma distância de 30 passos, dez vezes consecutivas no mesmo buraco de bala, mesmo ao centro.

Senhor de uma pontaria infalível, o monarca manuseava espingardas de caça, de guerra, pistola ou revólver com igual exactidão e engenho. À pistola, enfiava sucessivas balas em buracos de fechaduras.

Desde os sete anos que anda nestas lides do tiro. Aos nove deu às escondidas algum dinheiro ao ajudante-de-campo do pai para lhe comprar uma espingarda de dois canos, para pólvora e chumbo. 

Conhecido como grande apaixonado da vida ao ar livre, D. Carlos não perde muito tempo dentro dos gabinetes da governação.

O rei leva a vida entre as longas caçadas de Vila Viçosa, Sintra ou Mafra e a prática de tudo o que é bom desporto na época.

Joga ténis quase todos os dias nos courts que manda fazer no palácio das Necessidades. Monta a cavalo por tudo quanto é canto para a equitação. Corre de bicicleta nas provas desportivas do velódromo da Palhavã. Entra em competições com os seis Peugeots que tem na garagem. Dedica-se à esgrima de forma exímia. Devota-se com toda a alma às coisas do mar.

Quer sejam os bons banhos na baía de Cascais ou as regatas com o iate Maris Stella muito do seu tempo vai para a área da investigação oceanográfica onde produz obra de reconhecido valor.

A sua educação fora orientada por alguns dos melhores mestres da altura. Júlio Joubert Chaves inicia-o nas primeiras letras. Depois, António José Viale e Alves de Sousa ensinaram-lhe português, latim, grego, geografia e história. Aprendeu alemão com Schneider e Röder e inglês com Coolinggrige e Davidson. Na química, física, matemática e história natural, foi seu professor Augusto José da Cunha. De desenho foi primeiro mestre Teodoro da Mota. Na música recebeu lições de Manuel Inocêncio dos Santos. Na ginástica teve Pedro Martins e no jogo de armas contou com Petit e António Martins. Foram o coronel Vito Moreira e Gromicho Couceiro quem lhe ensinaram equitação e Maria Teresa de Assis Mascarenhas quem o assistiu na educação doméstica. Teve lições de pintura com Miguel Ângelo Lúpi e Henrique Casanova e colheu ensinamentos de zoologia do professor Manuel Paulino e de Alberto Girard.

Desportista, caçador, cientista, agricultor e artista, dotado de um grande talento para a pintura, D. Carlos evidencia-se, sem favor, como um dos reis mais cultos de toda a história portuguesa.

D. Carlos vivia como rei de um País de que não desejava ter muitas maçadas. Entre as maçadas e as caçadas não hesitava na escolha.

Desde muito cedo fizera de Vila Viçosa um local de eleição para as suas digressões cinegéticas e de lazer relaxante. Os ministros e até o próprio presidente do Ministério tinham de rumar até esta vila alentejana quando havia algo a tratar ou o rei os chamava.

Foi o que sucedeu no dia anterior ao regresso fatídico de 1 de Fevereiro de 1908.

Nesse dia recebe o ministro da Justiça, que ali se desloca com um decreto elaborado pelo Governo reunido na noite de 30 para 31.

O documento foi assinado por D. Carlos, nesse mesmo dia 31 de Janeiro. Com este novo diploma régio o primeiro-ministro João Franco fica mandatado para desencadear violentas acções sobre quem ousasse contra a política e o regime vigentes.

O Governo ficava com poderes totais para meter num navio e atirar para Timor, Angola ou outra colónia distante, qualquer indivíduo, mal fosse pronunciado por delito político ou crime de imprensa, prevendo ainda a isenção de julgamento e o efeito retroactivo da lei.

No dia 28 de Janeiro tinha rebentado em Lisboa um movimento revolucionário que, praticamente, já estava condenado mesmo antes de sair para a rua.

Tudo correra mal para os conjurados, que não conseguiram levar por diante qualquer dos seus intentos. Nas vésperas tinham sido presos alguns dos principais cabecilhas da revolta, entre os quais Luz de Almeida, chefe máximo da Carbonária, detido no dia 25 junto ao Jardim da Estrela. Igual sorte tiveram João Chagas, António José de Almeida, França Borges e outros destacados dirigentes republicanos, que vão logo parar às enxovias de João Franco quando a este lhe chegou o cheiro do esturro.

Às 4 da tarde, ao sinal dado a partir do antigo elevador da Biblioteca, na Calçada de S. Francisco, respondeu em força o aparato policial que esperava a oportunidade para fazer mais algumas prisões de apreciável significado: Afonso Costa, Ribeira Brava, Egas Moniz e mais um lote de gente influente vai fazer companhia aos que já estavam a contas com a Polícia.

João Franco não deixa margem para dúvidas, quanto às suas intenções de esmagar tudo o que possa causar-lhe embaraços. «Os republicanos estão precisando de sabre como de pão para a boca», dizia ele com todo o arrojo.

Como recorda Raul Brandão, as coisas eram de tal ordem que só se ouvia dizer: «Venha tudo, venha o pior, venha o Diabo do Inferno que nos livre disto!»

«Até as mulheres estão furiosas com o Franco» diz Raul Brandão. «Há-as que dizem: ‘Eu vou matá-lo!’ Mas há também quem o defenda e aplauda como nenhum ministro foi defendido e aplaudido. Um padre franquista barafusta em plena Rua do Ouro: ‘Eu até agora dizia que o João Franco tinha uns c. que não cabiam em Lisboa. Agora, não, agora digo bem alto: o João Franco tem uns c. que não cabem em Portugal!’»

Mas nem todos pensavam desta forma: «Isto termina, fatalmente, por um crime ou por uma revolução», advertia o monárquico Júlio Vilhena, assustado com as proporções das arremetidas franquistas.

 REI

O penúltimo rei de Portugal é o resultado do cruzamento de quase todas as casas reais europeias. Tem primos espalhados pela Europa fora.

Há dezanove anos que D. Carlos é rei de Portugal. Em 19 de Outubro de 1889, na velha cidadela de Cascais, assistira ao termo da penosa agonia de seu pai, D. Luís I, e fora sua mãe a rainha D. Maria Pia a primeira pessoa a prestar-lhe a homenagem.

- Abençoo-te, Carlos, para que sejas tão bom rei como foste bom filho - dissera, na mesma altura, ao cobrir-se com os véus de viuvez, a mãe do novo soberano.

Começou, aliás, da pior forma o reinado de D. Carlos.

Logo em Janeiro de 1890, a Inglaterra exigiu, em termos brutais, que Portugal renunciasse ao chamado «mapa cor-de-rosa», nome dado ao projecto de se aproveitarem as explorações portuguesas no interior do continente africano para se estabelecer a ligação entre Angola e Moçambique. O Governo cedeu e ordenou a retirada portuguesa de alguns territórios já ocupados.

O seu reinado poderá dividir-se em fases distintas, correspondentes a outros tantos aspectos da política interna e externa portuguesas.

Na fase, que decorre nos três anos que se seguem imediatamente à ascensão ao trono do novo monarca, pretende inaugurar um período de verdadeira regeneração nacional, que substitua a cansada demonstração partidária do governo de seu pai D. Luís. Ao cingir a coroa, em 1889, D. Carlos ouve exortações veementes para que exerça o poder pessoal que, na verdade, e mesmo no âmbito da Carta, competia aos soberanos constitucionais.

É António Enes, jornalista, escritor e homem de Estado, falando-lhe do que se esperava do jovem rei, e exortando-o a preparar-se para o governo «como para uma luta entrecortada de incertezas e aventuras em que o afrontarão mais adversidades do que o ajudarão os favores das circunstâncias e serviços dos homens, de dia para dia mais acanhados de estatura e mais falsos e egoístas de coração.» E que acentuava, como se pressentisse a tragédia final: — «Espera-se do reinado novo uma política nova que conserve o bom e corrija o mau da política velha: mas, por isso mesmo, o senhor D. Carlos há-de sentir a coroa de ouro cravar-lhe espinhos na fronte e o manto pesar-lhe nos ombros com todo o enorme peso da ventura e da honra de um país que tão pouco faz da sua parte para ser venturoso e conservar-se honrado.»

É também Oliveira Martins, aconselhando-o a corrigir o «indefinido sentimento de tédio e desconsolação que tem invadido muitos dos que melhores serviços podiam prestar ao seu país»

«Em tais circunstâncias, com tais elementos, como se pode ser Rei? De um modo só: reinando, isto é, governando.» E acrescentava, recordando a apóstrofe célebre de José Falcão, destacado adversário da realeza: - «Se a Monarquia nos pode salvar, faça-o: o nosso alvo é o País e não o sistema.»

Ser bom rei, porém, não seria tarefa muito fácil para aquele príncipe de 26 anos, a quem o pai deixou uma monarquia desacreditada, uma administração pública feita ao gosto dos interesses dos dois partidos que se revezavam alternadamente no Poder - o Progressista e o Regenerador - um défice de 83 400 contos e uma oposição republicana que principiara poucos anos antes, mas que progredia rapidamente.

Será precisamente com o pretexto da falência do rotativismo partilhado durante vários anos entre os partidos dinásticos Regenerador e Progressista que D. Carlos se «lembra» de João Franco em Maio de 1906: «Há muito a fazer e temos, para bem do País, que seguir por caminho diferente daquele trilhado até hoje; para isso conto contigo e com a tua lealdade e dedicação, como tu podes contar com o meu auxílio e com toda a força que te devo dar.» - Anuncia o rei na carta em que convida João Franco a formar governo.

Este, não só aceita como não demora muito a entrar em ditadura, dissolvendo o Parlamento em Abril de 1907, contra a forte oposição tanto de republicanos como dos demais partidos monárquicos.

Do rei tem todo o apoio para esta decisão: «São precisas obras e não palavras. De palavras, bem sabemos, está o País farto», escreve D. Carlos na carta que envia na altura ao chefe do seu Governo. Já algum tempo antes tinha respondido a um pedido de demissão de João Franco com esta argumentação: «Há muita coisa a fazer e creio que se pode e deve fazer e temos de seguir o nosso caminho doa a quem doer.»

Era suposto que os governos resultassem da composição partidária das câmaras de deputados e que estes resultassem da vontade dos cidadãos, expressa pelo voto. Na prática, porém, é quase sempre o contrário que sucede. É dos governos que resulta a composição da Câmara dos Deputados e escassíssimas vezes perde as eleições para deputados o partido que as faz, isto é, o partido que está no poder quando elas se efectuam.

Assim, os governos mudavam não tanto pela natural expressão da vontade do eleitorado, mas porque o rei os fazia cair. E muitas vezes a Câmara dos Deputados era dissolvida porque, na sua composição actual, não seria favorável a um novo governo.

A chave de todas as escolhas é, portanto, o rei. A queda dos governos e a dissolução das câmaras de deputados eram levados a efeito por decisão régia. É ele quem determina a oportunidade e o sentido da mudança. Baseia-se regularmente na opinião dos chefes partidários que considera mais representativos, mas a decisão final é sempre dele. Da opção régia dependiam a oportunidade e a orientação partidária que, com toda a probabilidade, iria ser seguida no futuro mais próximo.

O monarca ficava assim sistematicamente exposto ao desgaste constante, quer, para uns, como autor formal das crises, quer, para outros, como suporte artificioso de situações impopulares para evitar a abertura de crises.

É neste cenário que lança João Franco na governação ditatorial e que, em Novembro de 1907 dá uma entrevista ao jornal Le Temps, onde explica: «Caminhávamos não sei para onde. Foi então que dei a João Franco os meios de governar. Fala-se da sua ditadura, mas os outros partidos, os que mais gritam, pediram-me, também, a ditadura. Para a conceber, exigia garantias de firmeza. Precisava de uma vontade sem fraqueza para levar as minhas ideias a bom fim. João Franco foi o homem que eu desejava.»

Opinião diversa tinham outros que, como Magalhães Lima, grão-mestre da Maçonaria, haveria de escrever: «A ditadura franquista, com os seus corregedores à maneira de Pina Manique, irritava a opinião, e pode bem dizer-se que muito contribuiu para acelerar a marcha da República».

Vive-se num período em que tudo o que estava a acontecer servia para dar mais razão aos que nunca paravam de conspirar contra o poder monárquico.

«Sabe-se hoje que foi por essa ocasião que maior incremento tomou a propaganda revolucionária e que maior desenvolvimento tomaram as associações secretas, cuja organização até essa data estava apenas vagamente esboçada.» Estas palavras do franquista Álvaro Pinheiro Chagas são bem elucidativas quanto aos efeitos da política repressiva de João Franco.

A par da repressão franquista, ia aumentando o número de fabricantes clandestinos de bombas artesanais, que de vez em quando se davam a conhecer, principalmente quando violentas explosões punham a descoberto as suas actividades secretas, como acontece em Agosto e em Novembro de 1907, uma na Rua de Santo António, à Estrela, outra na Rua do Carrião, estando nesta última implicado o então estudante e jovem jornalista Aquilino Ribeiro.

A explosão das bombas de dinamite na Rua do Carrião vem pôr as sociedades secretas na lista das prioridades da polícia secreta monárquica que destaca para as investigações um dos seus mais hábeis peritos, o agente Ciro, bem conhecido dos revolucionários.

Enquanto isto, D. Carlos, em carta a João Franco, ia dizendo: «Quanto aos anarquistas… não me admira que nestes momentos turvos alguns apareçam e alguma coisa tentem; mas para isso é que nós cá estamos e por certo nem a ti nem a mim será o medo que nos fará mudar caminho. Cada vez mais me convenço que o caminho que nós traçamos é o bom, para não dizer o único e portanto já sabes que me encontras ao teu lado a ao governo, por pensamentos, palavras e obras!» 

Logo de seguida, em entrevista ao jornal francês Le Temps, na qual o rei se reafirma solidário com o governo franquista diz que «tudo está calmo em Lisboa, como no país» e que «só os políticos se agitam».

Contrariamente ao que o rei pensava, o tempo era de actividade constante para conspiradores. Todos quantos tivessem gosto pela intriga e pela aventura dispunham de muito por onde escolher.

Aberta a todas as classes sociais e perspectivada para um objectivo mais voluntarioso e desinibido, a Carbonária Portuguesa depressa se transforma numa autêntica vanguarda popular. Nela cabem todos os que amam a conspiração, todos os que desejam combater, todos os que estão dispostos a passar da «teoria à prática».

Médicos, engenheiros, advogados, professores de todos os ramos de ensino, estudantes, oficiais superiores do Exército e da Armada, sargentos, alguns administradores de concelho, funcionários públicos de todas as categorias e de todos os ministérios, proprietários, lavradores, comerciantes, lojistas, empregados de comércio, actores, operários, cocheiros, condutores e guarda-freios, ferroviários e — não há que duvidar — até agentes e guardas da Polícia chegam a fazer parte da Carbonária Portuguesa.

O REINADO

Como se nada disso lhe interessasse, o rei continuava a viver como gostava.

D. Carlos não se poupa em gastos que custam caro ao País. Muda de iate como quem muda de camisa. O Amélia I depressa se torna pequeno para dar lugar ao Amélia II que não demora muito até ser ultrapassado pelo Amélia III a que logo sucede o Amélia IV.

Entre outros casos mais ou menos conhecidos, fala-se na compra de dois prédios na Calçada das Necessidades que o rei adquire para os seus encontros extra-conjugais.

O País era pobre, e se não podia ter um rico rei, muito menos podia sustentar um rei rico.

A par com a famosa questão dos adiantamentos, que fazem da família real o maior devedor do erário público, na Câmara dos Pares do Reino, em 1906, são feitas acusações em que se afirma terem sido gastas nos arranjos da sala de jantares solenes do Palácio das Necessidades, e nas iluminações eléctricas deste Palácio e dos da Ajuda e Belém, quantias que rondam as fabulosas somas de 131 891$715 réis para o primeiro caso e 354 082$333 réis para os segundos.

Desde 19 de Outubro de 1889 que D. Carlos recebe um conto de réis de vencimento por dia, importância que junto à dos vencimentos dos seus familiares custa ao País mais de 520 contos anuais, soma esta muito superior às que recebem as famílias reinantes de países mais ricos como a Noruega e a Dinamarca onde esses vencimentos são, respectivamente, de 1 203 200 e 481 700 coroas, ou seja, em réis 301 040$640 e 120 520$080 contos.

D. Carlos não via com agrado que a questão dos adiantamentos à casa real fosse tratada nessa altura: «Estamos diante de uma fogueira, que desejamos apagar, e não se apaga fogo lançando-lhe lenha», dizia em carta a João Franco.

Usando da palavra sobre a escandalosa questão, Afonso Costa, destacado dirigente da oposição republicana, em plena sessão das Cortes chega a proferir:

«Por muito menos crimes do que os cometidos por D. Carlos I rolou no cadafalso a cabeça de Luís XVI!»

Estava-se no dia 20 de Novembro de 1906. Decorria a sessão n.º 34 da Câmara de Deputados. O político republicano, aludindo às dívidas que o soberano tinha para com o tesouro público, ia dizendo:

«E mais ordena o povo, solenemente, que, logo que tudo esteja pago, diga o Sr. Presidente do Conselho ao Rei:

- Retire-se, Senhor, saia do País, para não ter de entrar numa prisão, em nome da lei!...

Vozes: - Ordem! Ordem!

(Levanta-se sussurro.)

O Sr. Presidente (agitando a campainha): - Peço ordem.

(A agitação aumenta progressivamente. Todos os Srs. Deputados estão de pé.)

O orador (conseguindo dominar o tumulto): Por muito menos crimes do que os cometidos por D. Carlos I rolou no cadafalso, em França, a cabeça de Luís XVI!

O Sr. Presidente (agitando a campainha): - Peço ordem. Ou o Sr. Afonso Costa retira as últimas expressões emprega das ou terá de lhe ser aplicado o regimento.

O orador: - Por muito menos rolou no cadafalso a cabeça de Luís XVI!

Vozes: - Ordem! Ordem!

(Grande sussurro e agitação.)

O Sr. Presidente: - Proponho à Câmara a censura regimental ao Sr. Deputado Afonso Costa.

Consultada, a Câmara resolveu afirmativamente.

O Sr. Presidente: - A Câmara resolveu aplicar ao Sr. Afonso Costa a censura, com suspensão de exercício das suas funções de deputado. Convido V. Ex.ª a sair.

O Sr. Afonso Costa: - Eu respondo pelos meus actos!

(O Sr. Deputado diz outras frases que não são ouvidas na mesa dos taquígrafos.)

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª não pode falar. Convido-o a retirar-se do edifício das Cortes.

(Recrudesce o tumulto.)

Vozes: - Saiam todos!

O Sr. Presidente: - Está suspensa a sessão. Convido todas as pessoas presentes, que não são deputados, a ausentarem-se da sala.

Eram 5 horas e 3 quartos da tarde.

Recusando-se o Sr. Deputado Afonso Costa a aceder ao convite da Presidência, entra na sala a força armada, que o acompanha até fora do edifício.»

O país vive dias amargos. A todo o momento surgem novos confrontos com as forças policiais. D. Carlos escreve a João Franco e incita-o: «seja como for e suceda o que suceder, temos que caminhar para diante, ainda que a luta seja rude e áspera (e espero-a) porque aqui mais do que nunca, parar é morrer, e eu não quero morrer assim… nem tu!»

«Sem luta não há prazer em vencer, e a vitória sem combate, e combate sério, nunca é uma vitória duradoura», declara o monarca.

A contrastar com esta determinação estão as dúvidas que se ouvem por todo o lado.

Até mesmo os grandes partidos do constitucionalismo monárquico procuram manter-se a uma certa distância de João Franco.

Os progressistas de Luciano de Castro e José de Alpoim aconselham reacção enérgica contra a Ditadura, enquanto, por seu turno, os regeneradores marcam uma posição de franca hostilidade ao Governo, com o seu chefe, Hintze Ribeiro, a falar nestes termos:

«Ninguém é mais monárquico do que eu, mas quero a Monarquia aliada à Liberdade e não ao Absolutismo. É assim que eu sou monárquico. Mais um ano deste Governo e Portugal tornar-se-á republicano.»

Mas a violência franquista não estava para perder sem-cerimónia a sua brutalidade.

No dia 31 de Janeiro, João Franco consegue convencer o rei a assinar um decreto que agrava grandemente a situação dos oposicionistas detidos nos cárceres da ditadura.

Era o tal decreto que, no fundo, habilitava o Governo a eliminar todos os discordantes da sua política e é a última recordação que o monarca vai deixar ao povo.

Ao assiná-lo, parece que ainda murmurou:

«Assino a minha sentença de morte.»

Na verdade, na tarde do dia seguinte, D. Carlos caía às balas de dois carbonários que, no dizer de vários depoentes, em princípio, «apenas» se dispunham a eliminar o ditador João Franco.

No dia 1 de Fevereiro de 1908, nenhumas providências excepcionais foram tomadas porque para João Franco não havia razões algumas para tal… D. Manuel alude a este facto no seu diário: «Aquele Terreiro do Paço estava deserto, nenhuma providência! Isso é que me custa mais a perdoar ao João Franco.»

Da velha rainha-mãe Maria Pia ouve incriminações contundentes:

- Diziam que o senhor era o coveiro da monarquia. Foi pior. Foi o assassino de meu filho e de meu neto.

«A vossa obra, Senhor Presidente», teria dito ao chefe do Governo a rainha-mãe, D. Maria Pia, indicando-lhe os cadáveres do filho e do neto estendidos no chão do Arsenal.

«Se», dirá mais tarde o antigo ministro da monarquia António Cabral, «o Sr. João Franco tem abandonado o poder, desse por onde desse e houvesse o que houvesse, em vez de ir para a ditadura!... Quantos desgostos profundíssimos teria poupado à sua alma alanceada! De quantos danos teria livrado o País! Quantos desastres, quantos crimes, quantos infortúnios teria evitado!...»

A consumação do regicídio foi um acto descaradamente público enquanto perpetuado por homens a cara descoberta. Porém, nunca suficientemente esclarecido ao ponto de se saber muito mais do que aquilo que todos viram no Terreiro de Paço.

Falou-se sempre de outros cúmplices que, inclusive, estiveram envolvidos directamente no atentado do Terreiro do Paço.

Um grupo de que faziam parte além de Buíça e Costa, um tal José Nunes e outros, teria reunido na Quinta do Xexé, aos Olivais, e ali, na madrugada de 1 de Fevereiro, combinam o plano que os encaminha desde cedo para o local onde tudo irá acontecer.

Manuel José dos Reis da Silva Buíça, de 32 anos, transmontano natural de Bouçais, professor num colégio privado, antigo sargento do Exército medalhado como atirador de 1ª classe e Alfredo Luís da Costa, de 23 anos, alentejano natural de Casével, caixeiro, antigo empregado dos Grandes Armazéns do Chiado, são executores que desaparecem tão rápido como tinham aparecido.

Na manhã de dia 1, Alfredo da Costa foi a casa de Meira e Sousa, na Rua Nova do Almada, onde conta ao director do jornal O País tudo o que está para acontecer. Este tenta dissuadi-lo e faz até menção de lhe fechar a porta, porém nada consegue face à reacção de Costa que tira de um bolso a pistola e volta o cano contra si próprio e diz:

- Ou me deixa sair ou mato-me já aqui!... «Tem que ser…». Prossegue o futuro regicida. «Agora peço-lhe ainda uma coisa. Uma obra de caridade… É que eu não escapo… Tenho uma irmã; é uma garota que está na minha terra… Proteja-a; faça por ela o que puder…»

Cerca das 5 horas da tarde, portanto, mais ou menos meia hora antes do atentado, o mesmo Meira e Sousa, subindo a Rua do Ouro, cruza-se com o Costa e comparsas, que, por sinais, o saúdam dirigindo-se para o Terreiro do Paço a caminho do local onde vão praticar a proeza.

Meira segue em direcção ao Rossio, ali permanecendo na companhia do armeiro Heitor Ferreira, que terá sido o importador da carabina alemã com que o Buíça haverá de, momentos depois, matar o príncipe real.

A morte do rei traz o desânimo às fileiras monárquicas que não poupam o chefe do Governo, apontando-o como o principal culpado do que tinha acontecido no Terreiro do Paço.

Quando o tentaram avisar de que a vida do rei corria sério perigo responde: «Pois quê? É lá possível tocar em el-rei... Todas as medidas estão tomadas. Há polícia em Vila Viçosa, a linha do caminho-de-ferro está vigiada. Que mais quer? Boatos, sempre boatos…».

O próprio rei desconfiava do ambiente que o circundava. Não ignorava que a sua vida andava em perigo permanente. Quando lhe falavam das circunstâncias ameaçadoras, a resposta invariavelmente era esta: - As minhas armas estão sempre carregadas.

E um dia, denunciando a sua apreensão, chama João Franco e diz-lhe:

- Oh! João, tu disseste que irias caçar no terreno dos republicanos. E se eles caçam a minha pessoa ou a tua? - Pessoa alguma se atreveria, meu senhor (foi a resposta).

- Eu sei lá, João... eu sei lá.

D. Carlos sentia que havia algo que não estava correcto; e um dia, passeando com o seu ajudante, tenente-coronel José Lobo de Vasconcelos, desabafa: «Tu julgas que eu ignoro o perigo em que ando? No estado de excitação em que se acham os ânimos, qualquer dia matam-me à esquina de uma rua. Mas, que queres tu que eu faça? Se me metesse em casa, se não saísse, provocaria um grande descalabro. Seria a bancarrota. E que ideia fariam de mim os estrangeiros, se vissem o rei impedido de sair? Seria o descrédito. Eu, fazendo o que faço, mostro que há sossego no País e que têm respeito pela minha pessoa. Cumpro o meu dever. Os outros que cumpram o seu.»

«O rei morreu na tarde do 1.º de Fevereiro, no Terreiro do Paço. A Monarquia morreu essa noite, no Paço das Necessidades», escreve alguns meses depois um jornal republicano.

Penúltimo e trigésimo segundo soberano de Portugal, D. Carlos foi uma figura histórica incontornável, tendo reinado num dos mais conturbados períodos da vida política nacional.

Portugal que D. Carlos tem para reinar é aquele que Guerra Junqueiro retrata no poemaPátria, com um vigoroso quadro do País no fim do século. É um texto que ilustra a atitude derrotista e o mito da decadência. Destacam-se algumas afirmações como as que se seguem:

«- Os políticos:

«Dois partidos monárquicos, sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, na hora do desastre, de sacrificar à monarquia ou meia libra ou uma gota de sangue.

Um partido republicano composto sobretudo de pequenos burgueses da capital, adstritos ao sedentarismo crónico do metro e da balança, gente de balcão, não de barricada, com um estado-maior pacífico e desconexo de velhos doutrinários, moços positivistas, românticos, jacobinos e declamadores.»

- A burguesia:

«Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal.»

- O clero:

«Um clero português desmoralizado e materialista, um clero jesuítico, estrangeiro ou estrangeirado, força superior cosmopolita, invencível, adaptando-se com elasticidade inteligente a todos os meios e condições.»

- O exército:

«Um exército que importa em 6000 contos não valendo 60 réis, como elemento de defesa e garantia autonómica.»

- O povo:

«Humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai, um povo que eu adoro, porque sofre e é bom.»

- A economia:

«Um regime económico baseado na inscrição e no Brasil, perda de gente e perda de capital, autofagia colectiva, organismo vivendo e morrendo do parasitismo de si próprio.

Humanizar o ensino, nacionalizar a indústria, um clero português e cristão, a justiça fora da política, o exército fora de S. Bento, os burocratas para a burocracia, o professorado para as escolas, o poder legislativo entregue às forças independentes e vivas do País, arrotear o solo, colonizar a Africa — tudo era possível, tudo era simples desde que nos dessem uma fé, uma crença, vida luminosa, uma alma!»

E foi neste Portugal que ocorreu o 1.º de Fevereiro de 1908. Dia em que morreu D. Carlos I, penúltimo rei da Monarquia Portuguesa.

Fonte: http://www.vidaslusofonas.pt/d_carlos_i.htm


publicado por luiscatina às 18:30

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